fim

by Gabriel Demasi

Como será a melhor forma de contar para a Lena que nunca mais vou ver ela? Como vou ter coragem de contar para a Lena que vou embora, vou me mudar, Lena, sim, vamos voltar para Campinas, nós somos de lá, mas vamos ver, né, Lena, a vida é tão engraçada, de repente a gente volta e venho aqui comprar cigarro com você…

Como posso falar para a mulher da loja de conveniência, cujo nome nem sei, como vou falar para ela que mesmo sem saber o nome dela, aprecio a simpatia dela e de certa forma sentia uma conexão entre a gente. Que ela fez parte da minha vida, parte de uma parte que acabou. Você fez parte de uma parte da minha vida, não sei nada de você, mas agradeço. Você lembra, viu a Pan no meu colo, bem pequenininha, agora está grande e fica presa lá fora, ela sorri às entrelinhas. Também nunca mais vou comprar cigarro aqui com você. Ou, o que é pior, talvez um dia volte, daqui um ano, ou dez anos, ou trinta anos, você não vai estar, eu vou continuar sem saber seu nome, e nada vai ser igual e tentar refazer as coisas só vai ser pior ainda.

Como falar para a Rose que na verdade nunca vai dar certo de trazermos a Pan para passar o dia com ela, quando viermos trabalhar em São Paulo? Quantas pessoas já passaram pela vida da Rose e desapareceram? Por que é tão difícil manter as coisas? Acho que ela sente. Encara com aquela serenidade de quem já falou tanto da boca pra fora que não tem nem mais vergonha, nem se sente mal, não acredita, nem desacredita, simplesmente se acostumou. Acho que é isso, se acostumar. É não se abalar. Conseguir viver sem combinados.  

Eu queria ser como a Pan, que não lembra de nada. Não lembra da mãe, não lembra dos irmãos, no dia em que fecharmos a porta desse apartamento pela última vez ela vai pular no carro louca pra passear e nunca mais vai lembrar que morou aqui. Vai querer só o próximo passeio, e o próximo, e o próximo, e o próximo…

A vida é um passeio, a vida é o meio, a vida é o monte, viver é abrir e fechar porta, é circular, é presente virando passado sem parar. Viver é achar um jeito de morrer. É escolher: não ter coragem de contar, não ter coragem nem de se envolver, não ter coragem de mentir, ou ter vontade de pular no carro e passear.  

Saber encerrar, dizia uma professora de outro tempo. É importante saber encerrar. Acho triste. Me sinto um fingidor. Me sinto desperdiçar. Tem uma fresta logo depois do fim da realidade atual, depois da empolgação com o próximo passo, um lapso, é o tempo em que não cabe verdade, nem mentira, é o tempo. O tempo dá medo. As coisas passarem me dá medo. Não saber aceitar o fim me bagunça. Essa sensação de que tudo termina e só vou entender depois. Pessoas que foram ficando para trás. Lugares que acabaram, épocas que foram minhas e agora são uma lembrança incômoda. E agora esse momento esquisito depois de decidir acabar e sonhar com começar. É quando acabou, mas não é passado. Está decretado, o passado se arrastando e tomando conta. O tempo vento que não para de bater na cara. Um texto sem fim. E é por isso que é tão difícil parar de fumar: é aceitar que um dia o nunca mais vai chegar.