Entre latidos, tricôs, Fabíolas e celulares…

Os acordes ressoam ao fundo.

Ressoavam tímidos através da porta-sanduíche.

Uma voz familiar ecoava. Havia de esperar, era consciente de meu adianto.

A rua agitada, no quarteirão das calorias. Como fosse armadilha. Sem arapuca, caímos sozinho. Caio todas as segundas.

Uma mistura de som e sabor. Como chupar os dedos tocando violão? Lamber os beiços só pra frente do Divino Salvador.

Divino.

O cheiro de padaria já me seduz totalmente, impregnado por entre os paralelepípedos da Ferreira Penteado.

Pensando no doce, aguando a boca, manifestos do estômago clamando por glicose.

A professora me põe pra dentro, aparecendo num misto de Jovem Guarda e Hippie Chic.

Pragmática, a ausência da fragrância marcante das três e meia me é insólita.

Morreu o cheiro. Na sala de violão, “Freeway” late. Late. Fosse homem, seria ânsia pela nova fornada recém tirada do forno.

Uma hora transcorre entre latidos, tricôs, Fabíolas e celulares.

O tempo passa, enquanto o meu quindim assa no forno, se enfeita e se confeita, se adoça pra mim, seu predador. Fosse mulher, seria Amélia.

Liberto-me do cárcere, até semana que vem, dos violões grudentos.

Com açúcar e afeto, me despeço, e num ultraje à Sônia Hirsch e aos cardiologistas obesos, sigo em busca  da minha obsessão.

Júlio de Mesquita para pra eu passar, como Pluto, atrás da fumacinha que emana do forno.

Vem a dúvida. Mas antes, surpresa. É um sonho. Também tem sonho agora.

Plus cher: “R$2,50, por causa da fritura” – e completa o gordo – “mas só com óleo de girassol!”.

Tentação.

Bomba? Quindim? Quindim ou bomba?

O preço pouco importa. Nunca vi um estabelecimento tão resistente diante da inflação! Fenômeno que ocorre também, curiosamente, com seus mais fiéis clientes. São velhinhas da Paróquia. Haja jejum.

Depois dos 30 quindins da semana passada, vou partir pro bombástico.

Ela, a bomba, pisca pra mim. Explode. Estala.

A dona da “Fios de Ovos” vai até a cozinha no seu ritmo de sessão da tarde. Novela das seis, pantufinha posta, pochete lotada. De trocados que ainda não foram trocados.

Para o meu deleite, derrama a benção de uma calda de “Chocolate do Padre” ainda fervente.
Nada frugal. Tendências mais fast food, com um quê de “Super Size me”.

Salvo a caminho do ponto de ônibus, uma espera tremendamente extensa e expansivamente longa. Como que maior a cada esquina, a cada ponto, a cada passageiro que adentra o interior do que é a nata do transporte coletivo campineiro.

No caminho, dez minutos de intimidade com a bomba me tornaram mais sensível. Graduei-me com grande aptidão em sentir os movimentos da bomba, balançando de um lado para o outro do pacote.

No clube, o porteiro, que inevitavelmente cumpriria o fardo de engraçadinho, disse que não precisava.

Eu precisava.

Cena bizarra: abri minha bomba, delicadamente, com todo o cuidado e zelo do mundo.

Cena bizarra: sentado, numa mesa à beira da piscina, ironicamente provocante e satisfeito com o meu doce.

Olhava meu pobre irmão, nadando, suando na água turva da piscina semiolímpica, e minha maior aflição era se teria de deixar um pedaço para ele. Pobre! Minha culpa me corroía, guardei um pedaço, custosamente.

Comi a bomba, engoli a bomba, lambi a bomba, fui devorado, amarrado, conquistado e melecado pela bomba. Chocolate até na sunga. Chocolate no braço inteiro, no rosto, nariz, orelha. Chocolate no cabelo.

Tomadores de sol, me retirei para manutenção.

Fui ao banheiro, me limpei decentemente, suficientemente para o meu ingresso aquático de segundas e quartas.

Barriga estufada, medo de entrar na água.

Engordurado, quase afundava psicologicamente.

A bomba, pretexto do meu péssimo rendimento.

Entre um crawl e outro, sarcasmo intrínseco em mim: “vai ter que nadar muito!”.  

*Texto escrito em 2006, para o jornal da turma da oitava série da Escola Curumim, Campinas. Na data de publicação desse texto, 30 de dezembro de 2020, o Fios de Ovos ainda existe, ao lado da igreja do Divino Salvador, na avenida Julio de Mesquita. Um dos irmãos donos morreu. A esposa segue viva, de pantufa.