telhado

Toda vez que vejo esse telhado me dá um orgulho esquisito. Eu sempre quis construir nossa casa, com tijolos à vista, vigas de madeira, pontas, vidros. Anos depois, revejo o que vivemos, cada época, o que conquistamos juntos, e não tenho certeza do que sinto.

Das muitas noites viradas trabalhando, conseguimos nossa casa, um escritório pra mim, um estúdio pra ele, nessa casa fiquei grávida, nossa primeira filha teve um jardim pra brincar, um cachorro, depois veio o Nino, os dois brincavam na piscininha de plástico. Depois de um tempo fizemos a piscina de verdade, foi difícil de pagar. Fazíamos fogueiras no jardim. Depois fizemos a lareira de verdade. Olhando assim parece que conseguimos o que queríamos. Escolhemos as coisas meio juntos, cada um tentando emplacar algum elemento que gostava e fazia questão.Não sei se eu que queria, ou ele. Ou se um convenceu o outro. Ou se ninguém queria e era apenas o caminho que parecia natural. Olhando nosso belo telhado parece que deu tudo certo.

Mas ele também me faz lembrar das vezes em que quis ir embora, daquelas em que realmente fui, daquelas em que ele que foi. Não sei quem passou por essa porta na minha ausência. Quem deitou na nossa cama. Trocamos o colchão três vezes. Quem voltava, comprava um novo. Lembro dos períodos em que fiquei sozinha, dos vaivéns, do tempo que levou até que decidíssemos onde de fato nos fixaríamos, e da dúvida que sempre ficou no ar, de quem mais abriu mão, quem cedeu, pra quem isso foi melhor, em nome do quê, de quem. Do primeiro apartamento que alugamos juntos, começando nossas carreiras, depois os cursos e tempos fora, e sempre, sempre a dúvida. A dúvida transcende o lugar.

Na dúvida, nos amarramos. Querendo amarrar, querendo soltar, nos sentindo presos e gostando disso, ou sufocados e fugindo. Amarra sado, amarra cristã, laço livre hippie. Nossa rua, o caminho pra casa, fazendo todo o sentido do mundo ou parecendo um labirinto.

Olhando esse telhado não sei se algum dia a casa foi minha e se fui eu mesma, ou se ele colocaria qualquer outra nesse lugar. Ou se eu queria brincar de casinha. Não sei se a família que mora nessa casa é feliz. Ou se mora ali alguém sozinho. Ou que sonho terá erguido essas paredes. Não gosto de tijolos à vista. Essa casa é estranha. Por isso nunca consegui estar com alguém por mais de meses. Porque vejo telhados demais. Teria sido mais fácil se eu reparasse menos.