estudo do meio (coisa de mim)
No ponto da praça, a angústia do ônibus que não vem, e quando vem às vezes demora a sair, e quando sai pode ficar parado em Vila Isabel do começo ao fim, ou com sorte correr vazado por baixo do viaduto. O sol forte queima, apressando quem espera. Motoristas e cobradores indo e vindo, com suas bolsinhas de troco e seu controle de passageiros, vão ao banheiro, esticam as pernas, fazem um lanche, entram pela frente, por trás, em dupla, em trio, vários personagens funcionais azuis eufóricos como num passeio da escola.
Na minha escola os passeios eram chamados de estudos do meio. Coisa do construtivismo. Em casa, os trajetos de carro pela cidade da infância eram visitas guiadas, explorações das construções, das plantas, do desenho dos carros, do nome das ruas, do texto dos outdoors, das roupas, dos passantes. Coisa de pai arquiteto. Coisa de mãe curiosa.
Vivo um estudo do meio. Observo, fotografo, absorvo e anoto tudo. Sou um aluno aplicado.
O 436, quando passa, quando sai e quando anda, é uma grande excursão. Estética e terapêutica: nele já me preparo para a análise. Aliás, estou sempre preparado para a análise, esta e aquela.
Suando as costas contra o plástico do assento do ônibus sem ar, vou chacoalhando, claro, mas vou no altinho. Na janela. Pronto para ver tudo do alto. Com o celular pronto para disparar. Com a mão pronta para resgatá-lo de um ladrão. Pronto para a viagem.
A viagem é confusão no pontilhão de São Cristóvão, confusão no sobe e desce perto da Cidade Nova, é tudo cinza, concreto, galpão, barracão, estacionamento, é pichação, motel, calçada deserta escaldante, casarões do Rio Comprido. Casarão que virou CCAA, casarão que virou Subway, casarão que virou pet shop, casarão à venda, casarão para alugar, casarão abandonado, janelão de prédio dos anos 50, janelão dos 60, dos 70, janelinha dos condomínios de gesso, janelinha, janelinha. É tudo isso embaixo e o viaduto em cima. No fim, o sprint na subida.
E escuro. 760 metros no escuro. 100 no claro. Mais 2040 no escuro. 2800m sob pedra.
E então luz, muita luz, tudo muito, muito verde, muito céu muito azul, muito sol na água de espelho, muita brisa batendo, a volta toda na lagoa. Me enche o peito tudo, encho os olhos de olhar, a cabeça tilinta de beleza, o coração brilha. Seu Rodrigo, o senhor está de parabéns.
E na chegada, a bossa. Enche meus ouvidos. Não essa. Aquela, que tanto ouvi.
E passam madames com cachorros, personagens executivos funcionais e suas sapatilhas com lacinho, e bolsas e smartphones gigantes, gringos perdidos com suas garrafas de água, funcionários fumando do lado de fora, e alguns: velhos, fashionistas, enrustidos sarados, pedintes, garotas Farm, livraria, cabeleireiro, Casa Reis, Rei dos Plásticos, Ipanema 2000. Vamos lá, Gabriel? Sim, Lacan. Vamos aos outros meios, pois.
A viagem é o meio para o fim.